sábado, 8 de março de 2008

..por desertos...





A vida é forte, hábil e cheia de mistérios
Não tentes desvendar os seus segredos
Eles se farão de moucos e serás louco
Acorrentado e esquecido ao eremitério
É importante partir sempre. Sê andejo
Vai! Mesmo subindo íngremes penedos
Na escalada pisando espinho malfazejo
Mesmo que por deserto côncavo e oco

Mas guarda para depois tuas sementes
Não as abandones ao tórrido penitenciar
De perderem a vida nas areias quentes
Ele não deixaria de ser árido, semeado
Prosseguindo na sua aspereza insonte
Causando o que desertos devem causar
Ansiedade no buscar frescor das fontes
Cristalinas e musicais do Éden sonhado

Protege teu olhar para enxergar adiante
Ao deserto deixa as areias e os ventos
E não entoes com ele seus contracantos
E andarengo, mesmo que cambaleante
Sê mais disposto ao riso que ao pranto
Aprende a lição: rudeza gera lamentos

É preciso ser tolerante com distâncias
Não caminhes medindo a sua extensão
Afugenta a sonolência, esteja desperto
Ao murmurinho enganador da medição
Números são as nuvens de gafanhotos
Engolindo a vida, parindo os desertos

Se não com certeza, segue com coragem
E busca a paz que será tua para sempre
E ilumina com paciência o teu caminho
Se vieres a fundir vertigem e o sossego
Acredita em teus ideais além da miragem
Não há duna feita grão de areia sozinho

Certezas emergidas do fosso ignorante
São vãs estrelas rumo ao nada cintilando
No mar de sonhos sê seguro navegante
Não sofras por antecipação com o faltado
Castigado, mas quase feliz, alegrando-te
Com o que te sobra no percurso andado

Se a paz ansiada for demasiado difícil
Aceita a trégua. Aceita a perplexidade
Não desvies teu rumo do ideal buscado
Descansa, bebe do teu cantil sapiência
O segredo de viver deve ser encontrado
Na grande paz azul ou nas tempestades
Sê rio e as pedras duras serão polidas
Tornar-se-ão seixos diante da paciência

Alivia a tua dor. Ao sofrer resta perdoar
Senta e repousa, pois assim as veredas
Serão encurtadas e o sorriso estendido
O tempo flui contra, desleal, impaciente,
Aguarda paciente o virar da ampulheta
Ai o contratempo será quase esquecido

Ensina a tua alma a gostar dos ventos
Seus queixumes e carranca furibunda
Mesmo que se mostrem como açoites
Fustigando areias vagantes e chorosas
Contempla a noite tranqüila e profunda
Como se aspirasse o aroma das rosas

E ao amanhecer descerra as sombras
De nuvens escuras que impedem o Sol
De vir aquecer a serenidade dos prados
E a ondulância dos esverdeados mares

Repousa o olhar no amor quando achar
Como fosse a última parada do universo
Verás as estrelas perdidas lá no deserto
Renascerem no olhar da pessoa amada
E luzirás teus cantos de amor em versos

E serão esquecidas feridas do caminhar
Cicatrizadas ante as meiguices mornas
Então lábios se unirão e dirão silêncios
Que desnudarão as almas em acarinhar
Pois se amor existe a realidade se torna
Mais leve, acesa e colorida que sonhos

E o silêncio brilhará com todo esplendor
Mais intenso que todas as estrelas juntas
E viverá além das tristezas e além da dor
Quando se encontrarem as fontes da vida

poema de António Miranda Fernandes

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